Em tempos passados, brincar era algo natural para a criança. Brincavam e ninguém se preocupava com isso.
Não se falava ou escrevia de suas atividades. Em nossa civilização, predominantemente técnica, a criança está perdendo cada vez mais a sua capacidade original de brincar.
Certamente as crianças desejam brincar, como o fazem em todos os lugares do mundo e como fizeram sempre, pois brincar é algo inerente ao “ser” da criança.
“O Brincar da criança é a manifestação mais
profunda do impulso que conduz ao fazer,
sendo que neste fazer, o homem tem a
sua verdadeira essência humana.
Não seria possível imaginar uma criança
que não desejasse ser ativa, como o é
quando brinca, pois o brincar representa a
liberação de uma atividade que deseja se
libertar do cerne do ser humano”
Rudolf Steiner
Existem muitos adultos que, saudosos, se lembram dos tempos felizes de suas brincadeiras de infância. Certamente, um ou outro, por muito tempo, guardou na gaveta da escrivaninha ou do armário, alguma lembrança desta época.
Inconscientemente, a criança inicia a conquista das noções de Espaço-Tempo-Mundo, por meio de brincar de pegar um objeto, deixar cair, jogar, ouvir o som dos objetos rebatendo no chão. Para muitos adultos, esta forma de brincar representa um forma de malcriação por parte da criança, que insiste em repetir incansavelmente esta brincadeira.
Faz parte deste brincar, a participação ativa do adulto, abaixando-se, devolvendo o objeto.
A criança recebe este gesto com alegria imensa e a brincadeira continua para o desgosto de todos aqueles que não tem noção da grande vivência pela qual passa a criança.
Mais tarde, vem o brincar com os grandes ritmos e formas cósmicas: bolas, os balões, as bolhas de sabão, piões, cordas, balanço, etc.
Aprende também os quatro elementos: Terra-Água-Ar-Fogo.
As vivências com o elemento TERRA a criança tem com: areia, cinza, pedregulho, barro, argila, pedras de todas as formas e tamanhos. A criança brinca com prazer neste elemento, não se esquecendo de colocar bastante riqueza em seus bolsos.
Como são maravilhosas as vivências que a criança tem com o elemento ÄGUA, ao fazer flutuarem pequenos objetos, ao chapinhar e pular em poças d’água, barro, brejo, etc. E tudo isso sem a menor noção de que está se sujando. Está inteiramente entregue à sua exploração do mundo!
Quanto ao elemento AR, seu encantamento faz com que interiormente, acompanhe o flutuar, oscilar, pairar, voar dos fios de lã, bandeirinhas, móbiles, aviõezinhos e balões de papel de seda, etc. É quase impossível descrever o que uma criança sente quando faz subir uma pipa (quadrado).
Assim poderíamos ainda continuar descrevendo as vivências com o elemento FOGO.
A força inerente a este brincar singelo, aparentemente simplório, é de tal forma marcante, a este que a mera lembrança destas vivências pode ser tal qual uma ilha de calmaria e conforto no mar revolto de nossa vida como adulto.
O brincar infantil não é apenas uma “brincadeira superficial desprezível” pois no verdadeiro e profundo brincar, acordam e avivam forças da fantasia, que, por sua vez, chegam a ter uma ação plasmadora sobre o cérebro.
Este processo natural e sadio de "criar inteligência" não é possível quando as crianças não conseguem o brincar verdadeiro.
Inúmeras crianças vivem esta situação que podemos chamar de perigosa, em um mundo adulto cada vez mais hostil a elas.
De grande importância são as múltiplas vivências com plantas e animais, que também deveriam ser possíveis em moradias de uma criança grande. Estas vivências ajudam as crianças no seu entrosamento no nosso ambiente terreno.
Os pais que não tiverem outra possibilidade, deveriam pelo menos possuir alguns vasos com plantas, para que as crianças vivenciem o “crescer das plantas”.
É de importância fundamental colocar uma semente na terra e cheio de admiração e veneração observar as primeiras manifestações de vida da planta!
É ótimo Ter um animal, talvez gato ou cão, em casa. Mas, por outro, lado, pode-se fazer muitas observações sobre animais em passeio, onde podem ser vistos pássaros, besouros, borboletas, etc.
Para que esses momentos surtam o efeito desejado é de suma importância que o adulto esteja voltado com todo o seu interesse, amor e calma interior para a criança e o que está sendo observado.
Evidentemente, “o mundo humano” tem o maior peso no brincar da criança. Este mundo é aprendido pela imitação e fixado na criança pelo brincar de casinha, respeitando os fatos corriqueiros da vida diária, tendo o seu ápice na primeira vivência que a criança tem de si mesma como um EU, vivência que muitas vezes encontra a sua expressão mais profunda no brincar com uma boneca, com a qual se identifica. Tudo isto devemos levar em nossa consciência em uma época da vida em que a procura do sucesso está pondo em perigo, a perder de vista, o HOMEM, a noção do seu verdadeiro “ser” e com isto cada vez menos tem a capacidade de Ter uma compreensão dos processos que transcorrem no interior de uma criança.
É por esta falta de compreensão que se conduz precocemente a criança para o âmbito do adulto, obrigando-a a se adaptar com todo o seu SER à vida dos adultos.
A criança não é um adulto em miniatura, cuja “usabilidade” para a indústria e o comércio precisa ser intensificada.
Quando a educação da criança se baseia no princípio da integração precoce ao mundo do adulto, então já não existe mais sensibilidade para uma legítima formação do ser humano, principalmente ao que se refere aos primeiros anos de vida, que são de importância fundamental para o seu desenvolvimento futuro.
Caiu no esquecimento que o brincar infantil é uma das formas básicas mais importantes e decisivas de formação do ser humano, ao abordar e ativar as forças criativas da criança. Poucos sabem dos malefícios dos brinquedos industriais produzidos em série, de gosto estético duvidoso. Geralmente se apresentam de tal forma, que as forças da fantasia da criança não encontram alimento, pois não há nada a completar, a imaginar e a proteger sobre este brinquedo.
As FORÇAS DA FANTASIA necessitam de LIBERDADE e de MORALIDADE para poderem se desenvolver.
Por esta razão, a criança pequena não deseja encontrar brinquedos prontos para que lhe reduzam as possibilidades por meio de uma pré-determinação de seu uso. Ela quer substâncias elementares da natureza, como já mencionado: Água, areia, pedras, conchas, folhas, cascas de árvore, grama, sementes, pinhas, penas, etc.; com as quais podem dar vazão a seu mundo de fantasia, plasmando e construindo a partir daquilo que se encontra em seu interior.
Quem já observou uma criança profundamente envolvida em seus afazeres no jardim, com uma poça d’água, com areia e pedra, dançando por entre árvore, trepando em restos de um muro caído, amassado e rasgando papel num canto da sala, amontoando caixas vazias, vivenciando as formas cilíndricas de um rolo de papel higiênico, certamente reconhecerá o que significa para ela brincar cheio de vida. São mundos que a criança descobre, observações que a marcam de forma significativa para toda a sua vida. Pelo manuseio destes diversos materiais, aprende por si só sem nosso ensinamento, importantes leis fundamentais da vida e do mundo. Aprende, por exemplo, o que significa: duro-mole, áspero-liso, maleável-elástico-móvel, em cima-embaixo, atrás-na frente, direita-esquerda, perpendicular-horizontal, equilíbrio-desequilíbrio, quente-frio, leve-pesado.
Faz vivências com todo o seu ser, sem ter noção de conceitos abstratos ou denominações, que para nós, adultos, são corriqueiros, mas que por outro lado nos dificultam a experiência pura e objetiva dos fatos.
Pelo manuseio ativo dos materiais, a criança vivencia de forma elementar o mundo, as formas e qualidades de tudo o que existe.
A criança ainda está ligada intimamente a tudo, vive totalmente o que a rodeia, não se distanciando dos objetos ou seres, como faz o adulto, que sempre se sente confrontando com o mundo que o rodeia.
Esta individualização é um passo que a criança dará lentamente e que deverá dar sozinha, necessitando de tempo para isso!!!
Devemos aprender a Ter paciência, OUVIR e VER o que se expressa no brincar da criança pequena, sem interferir, pelo julgamento do nosso intelecto, que não tem acesso a esse mundo, dirigindo e desencadeando estes momentos.
Nós nos tornamos servos, secos e frios em relação a esse mundo criativo, original e cheio de forças plasmadoras, que são tão importantes para a verdadeira vida.
Sempre estamos exigindo ordem e limpeza, qualidades muito valorizadas numa sociedade progressista, mas que no brincar das crianças deveriam, conscientemente, encontrar seus devidos limites. (“É tão cômodo deixar as crianças em frente à TV!”)
Ordem e limpeza são conceitos secos do mundo adulto e na realidade são os maiores inimigos da fantasia infantil!
Não tenhamos uma "vertigem" ou um acesso de desespero ao vermos nossos "queridos" chegarem em casa com respingos de tinta, barro pelo corpo todo, as mãos sujas, os cabelos em desalinho ou até mesmos com furos na calça. Pelo contrário, sintamos seu coração palpitando de alegria, seus olhos brilhando, as faces coradas que nos contam: "Veja, estive em outro mundo, um mundo do qual há bem pouco tempo atrás ainda fazia parte".
Poucas pessoas conseguem participar deste paraíso infantil, participar desta felicidade da criança e penetrar neste reino.
Que choque para o "ser" infantil, quando, por meio de um comportamento severo do adulto, é arrancado do rico mundo da fantasia e sonho e é bruscamente empurrado para a realidade do mundo adulto.
Com isso, o prazer original do brincar vai se transformando em timidez e medo, implantando-se o germe de doenças futuras, deformações anímicas e criando-se, finalmente, as raízes do mal na criança.
A atualidade nos fornece provas suficientes para esse desenvolvimento. Criminalidade, uso de drogas, álcool, terrorismo são a conseqüência, entre outras coisas, de um não brincar adequado na infância.
Deveríamos tentar não destruir o brincar da criança nos primeiros sete anos de sua vida, antes que comece a seriedade da vida escolar.
Devemos procurar manter um espaço dentro do tempo e do espaço físico para que ela possa, pelo brincar imitativo, encontrar o seu caminho dentro do mundo e, também, encontrar-se a si mesma.
Quando, por exemplo, com uma colher de pau, alguns trapos coloridos, papel, pincel e cores, rolhas, lã, bolinha de algodão, etc.; a criança consegue construir o seu mundo, que representa uma síntese das vivências que imita do ambiente exterior, com as representações de sua fantasia, então, realmente, estará brincando!!!
Quando a criança molda figuras na areia molhada ou em cera de abelha, de acordo com sua capacidade, ou com o lápis ou pincel, cria as suas obras, que ainda não tem sentido nem finalidades, apenas as cria pela alegria do FAZER. Então, deveríamos deixá-la fazer sem interferir.
A criança deseja experimentar e vivenciar este mundo novo para ela.
O autodesenvolvimento natural da criança será pelo brincar livre.
Baseado no brincar livre é que a criança vai estruturar futuramente sua capacidade de julgamento, capacidade de fundamental importância nos dias atuais.
Quando transpomos o nosso pensar intelectual utilitarista para o mundo infantil, provocamos na criança um comportamento adulto precoce.
É necessário apenas um pequeno passo para que este comportamento da criança precocemente adulto se transforme em um comportamento desumano.
O brincar feliz da infância, num lar harmonioso, certamente será o que de melhor, e mais precioso uma criança poderá levar consigo para a sua vida futura. Com isso conseguirá forças valiosas que levará para um mundo no qual, dia a dia, torna mais difícil a sobrevivência da alma íntegra, da livre iniciativa e da auto-afirmação do EU.
Maria Bárbara Trommer Texto baseado em: DAS SPIEL ERSTE
WELTERFAHRUNG UND SPRACHE DES KINDES
Ursula Anders, Elternbrief, Abril, 1982
Fonte: http://topediatrica.blogspot.com.br/
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