quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Dislexia e TDAH (Ritalina)

Admirável Mundo da Ritalina

Milhões de crianças e adolescentes nos países centrais estão a ser medicadas com um psicofármaco que as torna dóceis e submissas. É um regresso ao admirável mundo novo – a soma existe e chama-se ritalina, uma anfetamina que ganha terreno numa sociedade de crianças presas ao exíguo espaço que o capitalismo lhes reservou. / Raquel Varela

«As pessoas consideram drogas como a ritalina um achado para resolver problemas emocionais e de comportamento. Quando fui convidado pelo Instituto Nacional de Saúde (EUA) para me pronunciar sobre os efeitos destas drogas fui rever a literatura mais importante sobre o assunto e descobri que quando dão ritalina a animais eles deixam de brincar, deixam de ser curiosos, deixam de socializar, deixam de fugir. O uso da ritalina gera bons animais de gaiola…Nós estamos a gerar boas crianças de gaiola». As declarações são de Peter Breggin, um dos pediatras nos EUA que se insurgiu contra a prática de drogar milhões de crianças, tornando-as submissas, sob a desculpa de que sofrem de Perturbação de Hiperactividade e Deficiência de Atenção (PHDA).
O nome químico da ritalina é metilfenidato, um psicoestimulante que acalma crianças que sofrem de hiperactividade. Foi sintetizada em 1944 pela companhia suiça Ciba (actual Novartis). Pensa-se que terá sido usada pelos soldados nazis para aumentar a sua concentração no campo de batalha.
Maria João Carvalho (nome fictício), professora numa escola do conselho de Oeiras, conhece bem o efeito da medicação. De há 3, 4 anos para cá que tem pelo menos um aluno nas suas turmas a tomar ritalina. Por volta das 8 chegam «concentrados à escola e, mais ou menos a partir do meio-dia, quando começa a passar o efeito da medicação, partem a “loiça toda”, como se costuma dizer». Quando lhe perguntamos o que pensa disto, é radical na resposta: «São miúdos irrequietos, talvez mal-educados (não sabem estar sentados, etc.) mas normalíssimos. Quando comecei a dar aulas há 30 anos, isto era impensável!».
A Drª Ana Vasconcelos, pedopsiquiatria, em declarações à Rubra, confirmou a reacção das crianças quando começa a passar o efeito da italiana: «alguns ficam como loucos, porque estiveram a ser domados». A pedopsiquiatria admite que, depois de um «diagnóstico sério» prescreve ritalina a algumas crianças, «a partir da 3ª classe, porque de facto as crianças ficam mais concentradas, a ritalina é eficaz». A médica afirma que são os próprios pacientes a pedirem o fármaco em alturas específicas, como o final «do ano lectivo, para passar nos exames». Mas mesmo prescrevendo a ritalina Ana Vasconcelos não esconde o que pensa do fármaco: «a ritalina actua na funcionalidade. Um miúdo desconcentrado para o bem e para o mal passa a ser concentrado…para o bem e para o mal».
A Associação Portuguesa da Criança Hiperactiva diz que há 40 mil crianças em Portugal com hiperactividade. Pensa-se que há perto de 10 mil a tomar ritalina. Hans-Christian Dany, investigador alemão, autor de Speed, Eine Gesellschaft auf Droge (Speed, Uma Sociedade Drogada, não traduzido) disse à Rubra que na Alemanha os estudos apontam para 1, 8 milhões de crianças a tomar ritalina. Dany acrescenta que não é só a ritalina porque agora «há no mercado muitos fármacos parecidos a competirem com a ritalina».
No mundo inteiro, sobretudo no país onde esta droga se tornou massificada, os EUA (O Schiller Institut fala em mais de 5 milhões de crianças e adolescentes a tomarem ritalina) há cientistas, médicos e neurologistas que contestam abertamente que tal sindroma exista. Razões para desconfiar abundam. O diagnóstico de PHDA tornou-se oficial nos Estados Unidos depois da sua existência ter sido, literalmente, votada no seio da Associação Americana de Psiquiatria em 1987. Um ano depois, de acordo com o Schiller Institut, havia meio milhão de crianças diagnosticadas com esta doença.
O caso levou um grupo de personalidades a porem em tribunal a gigante farmacêutica Novartis – que produz a ritalina -, acusada de uma conspiração que envolvia pressão sobre a Associação Americana de Psiquiatria para reconhecer o Síndroma. Richard Sruggs, um dos advogados que esteve à frente do processo contra a farmacêutica afirmou em tribunal que «De acordo com estes critério não há nenhuma criança na América que não tenha PHDA». Que critérios? Ter 4 dos seguintes comportamentos durante 6 meses seguidos: enervar-se frequentemente; discutir frequentemente com adultos; recusar-se frequentemente a aceitar as regras e ordens dos adultos; frequentemente chatear deliberadamente os outros; culpar, frequentemente, os outros, pelos seus actos; frequentemente ser sensível às criticas dos outros; estar frequentemente chateado ou ressentido; frequentemente vingativo. Isto de acordo com a bíblia do diagnóstico psiquiátrico, a Diagnostic and Statistical Manuel of Mental Disorders. Ou seja, frequentemente ser…criança!.
Os defensores da ritalina vêm a público dizer que há evidências neurológicas da hiperactividade. Geral Golsen, professor de pediatria e neurologia diz que isso é falso, não existem nenhumas alterações neurológicas ou bioquímicas que provem a hiperactividade – tanto que isso não faz parte dos critérios de definição do Síndroma. Uma criança que dorme mal, se deita tarde ou come mal pode ter essas alterações numa ressonância. Ou elas podem dar-se num quadro de perfeita saúde.
Razões suficientes para o neurologista Jeff Victoroff ter escrito que «O PHDA é um slogan publicitário à procura de um sindroma a procura de uma desordem em busca de uma causa». Victoroff acrescenta que é assustador alterar a transmissão de dopamina «quando o cérebro ainda não está bem formado e as crianças estão a aprender aquelas lições da vida sobre recompensa, castigo, prazer, dor».
A Drª Ana Vasconcelos acha que a hiperactividade existe e é uma reacção da criança a um mundo que lhes é hostil. Aponta como causa o excesso de televisão, «as crianças são sobre estimuladas perdendo a capacidade de usar a linguagem e o pensamento abstracto em favor das imagens»; acrescenta ainda que a hiperactividade encontra-se na maioria dos casos em crianças cujos pais não impõe padrões de regularidade como comer e ir para a cama a horas certas; reafirma que a crianças têm que ter espaço e tempo para brincar em vez de ficarem horas nas salas de aula fechadas.
A verdade é que o negócio por trás da ritalina fala por si. Só em 1996 o tratamento à base da ritalina rendia 15 biliões de dólares. E a protecção que o estado dá a este negócio é evidente – nos EUA as crianças com o Síndrome recebem dinheiro extra da segurança social -, revelando-se aqui a análise de Marx que o Estado é, antes de mais, o gerente comum dos negócios da burguesia. Gore Vidal afirma isto quando relembra no seu livro Perpectual War for Perpectual Peace que para o estado capitalista há drogas boas e más e aquilo que as define como tal é o negócio estar no controle da burguesia (farmacêuticas) ou fora dela (carteis de droga): «Apesar de as drogas serem «imorais» e deverem estar afastadas dos jovens, milhares de escolas pressionam os pais para dar a droga ritalina a qualquer criança que, sensatamente, se aborreça na sala de aula. A ritalina torna a criança dócil se não comatosa. Efeitos secundários? “Atraso no crescimento, tiques faciais, agitação e agressão, insónia, perda de apetite, dor de cabeça, dor de estômago e convulsões». Provocatório, Gore Vidal acrescenta que a marijuana «faria muito menos mal».
Sobre os efeitos secundários há cada vez mais estudos que relacionam o aumento das doenças neurológicas e psiquiátricas (Parkinson, Alzeimehr, doença bipolar, esquizofrenia) com o uso de drogas que estimulam os neurotransmissores. Embora Ana Vasconcelos admita que «não é por se dar 6 meses ritalina a uma criança que ela vai ter Alzeimehr em adulto, é verdade que os estudos revelam que se estamos a fazer funcionar os neurotransmissores na capacidade máxima corremos esse risco».
A ritalina é um destes exemplos que torna urgente a conquista de outra sociedade. Onde a colectividade assuma a educação das crianças; onde os interesses imobiliários não se impõem aos espaços verdes e livres; onde a redução dos custos com as educadoras não impõe escolas fechadas a grades e alunos sentados o dia todo na sala de aula; onde o convívio com os amigos substitui a solidão da televisão; onde ser um adolescente mentiroso, irresponsável, indeciso, conflituoso, estúpido, é um direito elementar; onde a protecção da vida em comunidade se impõe à paranóia securitária; onde, por nenhum preço e por nenhuma razão, se faz uma «guerra do ópio» aos mais frágeis, às crianças.

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O direito a brincar livremente

«Brincar na rua é em muitas cidades do mundo uma espécie em vias de extinção. O tempo espontâneo, do imprevisível, da aventura, do risco, do confronto com o espaço físico, natural, deu lugar ao tempo organizado, planeado, uniformizado (…) com implicações graves na esfera do desenvolvimento motor, emocional e social». Urge mudar este padrão, defende Carlos Neto, professor da Faculdade de Motricidade Humana, que tem dedicado a sua investigação ao desenvolvimento motor das crianças. As conclusões do seu estudo são dramáticas: as crianças que não brincam livremente ficam nervosas, têm mais dificuldade em situar-se no espaço (sentido de orientação), em calcular distâncias e «menos capacidade de defesa e adaptabilidade a novas circunstâncias» (A Criança e o Jogo: Perspectivas de Investigação). Drogar crianças, preencher o seu dia com «actividades» ou entupi-las de jogos de computador é a solução que o capital encontrou para diminuir o espaço dos recreios e o número de educadoras/professoras. Sabem os leitores que em média uma criança de 7 anos que frequente o nível oficial público ou privado está cerca de 8 horas sentada? Sabem os leitores que as crianças com esta idade na Alemanha ficam na escola entre as 8 e as 12 e o resto do dia é livre para brincar? Em Portugal, elas ficam na escola entre as 8.30 e as 15 (horário de aulas) e o resto do tempo é passado num ATL a aprender inglês, estudo acompanhado, música…Tudo, sentado, imobilizado, dentro da sala de aula. A razão é clara – dentro da sala de aula só é preciso uma educadora para 30. Por outro lado, recreios livres, extensos, com jardins que dêem privacidade às brincadeiras valem milhões no mercado imobiliário das grandes cidades. Ao todo, entre as 8: 30 e as 19:00 as crianças portuguesas não chegam a ter duas horas de recreio, um horário de trabalho mais extenso que o de alguns adultos.
Norman Foster desenhou no Reino Unido uma escola sem recreio. Cabe-nos a nós desenhar outra sociedade, que aprisione Norman Foster na escola que ele próprio desempenho!

Um comentário:

  1. Parabéns pela postagem..disse tudo!
    estamos passando por isso em nossa familia, pois para o médico é muito fácil na hora da consulta simplesmente receitar uma droga, que dopa a criança...tenho uma irmã q usa, ou melhor, usava, pq não admitimos mais que ela fique dopada, alienada do mundo nas 4 horas q o remédio faz efeito...não tem como admitir!! os pais e familiares precisam tomar uma atitude contra isso, e como diz o texto, isso tudo reflexo de um mundo capitalista, onde não se pode mais ser uma criança alegre e feliz, e sim desde cedo, estuda, se concentrar, aprender, não dar trabalho, para seus pais trabalharem em paz e conseguirem cada vez mais dinheiro e aumentar seus patrimônios, e assim também essas crianças já irem treinando essa disciplina para no futuro serem adultos bem sucedidos, com muito dinheiro e loucos alienados sem alma e sem história!!!
    Att,
    Janice

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