segunda-feira, 23 de abril de 2012

* Fraldas e livros


Não é perda de tempo ler para quem ainda nem aprendeu a falar. Seis projetos voltados à primeira infância  



Professora contando histórias para seus alunos

Quando a escritora de livros infantis Tatiana Belinky perguntou ao pediatra, nos idos de 1940, em que momento deveria começar a educar seu filho, então com três meses de vida, ouviu como resposta: "Você já está atrasada". Parece mera frase de efeito. O fato, porém, é que o doutor estava coberto de razão. Não há idade para dar início à educação de uma criança -- e isso vale também para o incentivo à leitura. Bebês podem até não entender todo o enredo de uma história, mas a leitura em voz alta os coloca em contato com outras dimensões das linguagens oral e escrita, que serão importantes em seu desenvolvimento. "Eles percebem que a fala do dia-a-dia é diferente daquela usada numa leitura, que tem cadência, ritmo e emoção. Entendem, por exemplo, que há um começo, um clímax e um desfecho", explica Fraulein Vidigal de Paula, doutora em Psicologia Escolar. 

Especialistas acreditam que, para alguém se interessar por livros na vida adulta, é fundamental que a palavra escrita esteja ao seu alcance desde cedo. Ou seja: estimular a leitura dentro do berçário, com bebês que ainda nem aprenderam a falar, pode ser o caminho mais curto para a formação de um futuro leitor. "Manuseando um livro, eles são capazes de identificar a existência da grafia e passam a estabelecer uma relação direta com a linguagem escrita", afirma Fraulein. Pouco importa se a criança ainda não aprendeu a ler ou se o exemplar em questão é feito de papel, plástico ou tecido. É verdade que leitura para bebês pode assustar até professores. Foi o que descobriu a pedagoga Cláudia Leão, de Santos, no litoral de São Paulo. Em 2002, durante uma reunião com educadoras do berçário onde trabalhava, Cláudia propôs uma atividade de leitura. A idéia foi recebida com espanto e até um pouco de desdém. Mas Cláudia bateu o pé e, da sua teimosia, nasceu o projeto Leitura no Berçário! Por Que Não?. Àquela altura, a pedagoga não fazia idéia do que ainda estava por vir. Cinco anos mais tarde, em 2007, seu trabalho seria amplamente reconhecido e ela receberia um prêmio do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler). 

Para despertar a paixão pelos livros nos pequenos da UME Doutor Luiz Lopes, Cláudia usou uma estratégia muito simples: ela criou livros feitos de pano e feltro que têm, em todas as páginas, desenhos de bichos e fotos de cada um dos bebês, lado a lado, como se fossem personagens de uma história. Quando a criança se reconhece, ao virar uma página e encontrar a própria foto, ela se levanta e escolhe outro livro, trazendo-o de volta à roda de leitura para dar continuidade à brincadeira. "Mecanismos desse tipo levam-na a perceber que entre ela e o livro há uma distância mínima", diz Cláudia. Conforme crescem, tornam-se elas mesmas as contadoras de histórias.

Leitura em família


São muitos os benefícios que o contato com livros, ainda na primeira infância, é capaz de proporcionar. Várias funções psicológicas podem ser desenvolvidas, entre elas a memória e a capacidade de estruturar as informações. A leitura em voz alta para uma criança de até 3 anos ajuda a despertar sua sensibilidade para diferentes formas da fala e ainda tem o efeito positivo sobre a chamada atenção seletiva -- a capacidade de se desligar de outras fontes de estímulo, mantendo-se concentrada numa só atividade por períodos mais longos. Ler histórias também ajuda no desenvolvimento da noção de tempo. O bom e velho "era uma vez" carrega em si a idéia de algo que acontecia e já não acontece, apresentando à criança a existência do antes, do agora e do depois. "Com a prática da leitura, os bebês desenvolvem estruturas para a ordenar o mundo com base no critério de temporalidade", diz Fraulein Vidigal de Paula.

Na capital mineira, um projeto que estimula o envolvimento dos pais no incentivo à leitura tenta potencializar todas as vantagens que a proximidade com livros pode oferecer aos pequenos. E, assim como o Leitura no Berçário!, também vem colhendo bons resultados. Trata-se do Espaço de Ler, Direito de Todos, que foi implementado em nove creches e atende 950 crianças. Ele é mantido pelo Instituto C&A, que, por meio de seu programa Prazer em Ler, apóia iniciativas para a formação de leitores, com suporte do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Nas creches de Belo Horizonte, são realizadas mediações de leitura com as professoras e também com funcionários das lojas C&A, que participam como voluntários. A cada 15 dias, os próprios pais são convidados a ler histórias para toda a turma. Isso estimula os pequenos a levar livros para casa e continuar por lá a "brincadeira" de leitura com o resto da família.

"Crianças, familiares e educadores participam ativamente do espaço das bibliotecas, coisa que não acontecia antes de implementarmos o projeto", diz Leandro Gomes, coordenador pedagógico da Creche Elizabeth Santos e integrante do conselho gestor do projeto. Outras atividades de incentivo à leitura são especialmente aguardadas pelos pequenos. Uma delas: eles podem escolher, entre vários livros colocados sobre a mesa, quais querem ler enquanto tomam lanche.

O Espaço de Ler, Direito de Todos é apenas um dos projetos que apostam na participação intensiva de pais e familiares para garantir o envolvimento das crianças com a leitura. Em Curitiba, outra iniciativa segue a mesma linha. Ela acontece na CEMEI Santa Izabel e tem por trás o Instituto Avisalá, de São Paulo, cujas principais ações se concentram na formação continuada de profissionais que trabalham com Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental.

A pedagoga Andréia Bonatto, que planejou a atividade, explica: "Toda sexta-feira, as crianças voltam para casa com uma sacolinha de pano. Dentro dela vai um livro, que elas mesmas escolheram, e um caderno, com um bilhete solicitando aos pais que façam a leitura com o filho. Na segunda-feira, os pequenos trazem consigo o livro lido e o caderninho, com anotações feitas pela família sobre a experiência do fim de semana. Então, a professora lê em voz alta o que foi escrito".

O resultado é que, muitas vezes, além de querer recontar a história para os colegas, as crianças também anseiam por compartilhar suas próprias impressões sobre a leitura - exatamente como feito por escrito, no caderno. "A atividade os fez tornarem-se ávidos contadores de histórias. Toda segunda-feira é uma farra, porque cada um quer contar primeiro aquilo que leu no fim de semana", diz Andréia.

Biblioteca-mirim


No primeiro ano de vida, o bebê aprende a chorar, comer, engatinhar... até andar. A velocidade da transformação é tamanha que, a cada semana, sua capacidade de compreender uma história muda completamente. É por isso que obras clássicas da literatura universal funcionam tão bem: por serem clássicos, são atemporais e emocionam sempre. Podem ser recontados inúmeras vezes, e é assim que os pequenos preferem. Eles gostam de se antecipar à página seguinte e contar o que vai acontecer naquela história. Por isso, ilustrações são especialmente importantes nos livros destinados à primeira infância. Nessa faixa etária, o texto é menos importante, pois as letras ainda não fazem sentido para a criança. O que realmente interessa são as formas e as imagens, além da expressão vocal e facial de quem lê para ela. Do mesmo modo que um bebê é capaz de dormir tranqüilamente ao som de uma doce canção de ninar, sem prestar atenção à letra, ele pode se emocionar escutando uma história que ainda não entende muito bem, só de prestar atenção na voz do contador.

Ao lidar com bebês ou crianças muito pequenas, descobre-se logo que qualquer atividade pedagógica tem prazo de validade. Se está vencida, é hora de mudar. Para driblar a dispersão natural, os momentos de leitura com pequenos de até 3 anos devem ser dinâmicos, com duração variável. Criatividade é a palavra de ordem. E um bom exemplo de abordagem criativa é o projeto Ler é Saber - Primeira Infância, idealizado por Ivani Capelossa, do Instituto Brasil Leitor.

O projeto prevê a instalação de bibliotecas planejadas especialmente para crianças pequenas. Já existem 18 salas de leitura como essas em Centros de Educação Infantil espalhados pelo país. Dessas, nove concentram-se no município de Cubatão, a 57 quilômetros de São Paulo. Lá, quem manda são as crianças: as prateleiras são tão baixinhas que até um bebê, engatinhando, é capaz de alcançar os livros. Os móveis, também desenhados especialmente para o projeto, não têm quinas. O acervo de livros é composto por aproximadamente 400 títulos. Ainda assim, o espaço mais se parece com uma brinquedoteca, tamanha é a quantidade de outros objetos - entre fantoches, marionetes, bonecos e instrumentos musicais, dos mais variados. Tudo isso para tornar mais envolvente, dinâmica e fascinante a atividade de narração de histórias.

Entre uma diversão e outra, explica Ivani, os livros acabam se tornando tão atraentes quanto os próprios brinquedos. "Considero cada um daqueles objetos como parte do acervo da biblioteca", ela afirma. "Não é o caso de separá-los dos livros, pois eles estão relacionados. E uma educadora pode passar a tarde inteira desenvolvendo atividades com as crianças aqui, sem que a diversão se esgote".

Muita imaginação


Nem sempre se pode contar com salas de leitura tão aparelhadas quanto as de Cubatão. E, nesses casos, simples fantoches, marionetes e fantasias são meios de convidar as crianças a participar da história. É assim, com poucos recursos mas muita imaginação, que as mediadoras da creche do Projeto Âncora desenvolvem nos pequenos o amor pelos livros. O projeto, sediado em Cotia, a 34 quilômetros de São Paulo, existe desde 1995, dando a crianças e adolescentes da região a oportunidade de conhecer livros de boa qualidade literária.

O contato com a palavra escrita é estimulado em uma atividade batizada Porto da Leitura, coordenada pelas pedagogas do projeto. Os mediadores são adolescentes atendidos pelo Âncora. Eles recebem capacitação em mediação de leitura pelo A Cor da Letra, uma entidade com sede em São Paulo que desenvolve e acompanha projetos de literatura, juventude, educação, cultura e saúde. E quem escuta as histórias são os bebês, estimulados com brincadeiras relacionadas aos livros escolhidos. Maria de Nazaré Almeida Filho, educadora do Projeto Âncora, revela o segredo do sucesso das histórias: "Vale a pena preparar o ambiente antes da leitura, apagar as luzes, utilizar um cenário... Assim, é mais fácil prender a atenção dos pequenos. Se conseguimos mantê-los atentos por 20 minutos, já é uma vitória".

Na Creche Vovô Juca, em São Paulo, essa dificuldade parece ter sido superada. A instituição, sem fins lucrativos, atende famílias da região do Jardim Taboão. Atuando como voluntários do projeto Ler, Conviver e Aprender, os alunos de Ensino Médio e pré-vestibular do Colégio Universitário Taboão, em Taboão da Serra, na região metropolitana da capital paulista, conseguem a proeza de manter atentos, por duas horas seguidas, os 15 bebês mantidos pela creche. Idéia do professor Mauro Chiavassa, a iniciativa recebeu o selo Escola Solidária em 2007, concedido pelo Instituto Faça Parte. Para envolver as crianças na atividade de contação de histórias, os jovens mediadores de leitura se preparam cuidadosamente: em encontros semanais, sempre acompanhados de um coordenador, eles decidem qual obra literária será objeto de trabalho com os pequenos. A partir daí, desenvolvem uma série de atividades relacionadas à história.

Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/leitura/materias_295478.shtml?page=page1

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