Descrição
Caros amigos e amigas do Educautismo
Contéudo
Entrevista com DR. JORGE MÁRCIO - DEFNET
(reproduzido do blog Topicos em Autismo e Inclusão. 10/10/2007) TAI: O autismo ainda é um "patinho feito" no movimento de defesa das pessoas com deficiência. Na sua opinião como é poderia haver uma aproximação maior entre esses grupos? Jorge Márcio - Caros amigos e amigas do Educautismo, sua pergunta me faz lembrar que o 'patinho feio' é uma estória infantil que traz a lembrança a todos da exclusão pelo preconceito, porém é também a estória de uma 'transformação' que torna um patinho feio e preto em um lindo cisne branco, trazendo, a meu ver, uma das possíveis formas de inclusão pela exclusão da diferença. Explico que não considero o que chamo de Autismo(s) um 'patinho feio' no movimento de defesa de direitos das pessoas com deficiência, por ter uma visão diferenciada como militante de direitos humanos e experiência pessoal como profissional de saúde. Mas se fosse considerar uma metáfora para os Autismo(s), diria que se encontram, sem dúvida, no campo das 'marginalizações' tanto do cuidado em seu direito à saúde como ao direito à educação, ou seja, muitas vezes acabam sendo vistos e tratados como "cisnes", mas com uma característica de serem 'indecifráveis' e 'complicados'; portanto, necessitando de uma hiper-especialização e, apenas, espaços segregados de atenção médica e/ou educacional. Há uma indiscutível provocação desta condição e quadro naqueles que não têm compreensão de seu histórico processo de construção nosológica, como uma doença, e, portanto, como uma patologia a ser apenas 'diagnosticada, tratada' e, por sua complexidade, muitas vezes, aceita por quem tem alguma especialidade nesse tipo de condição humana (os neuropediatras, psicólogos, psiquiatras infantis, fonaudiólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, educadores,psicopedagogos, etc.). Porém muitas vezes 'rejeitada' pelos que deveriam também compreendê-la, discuti-la, respeitar sua heterogeneidade (quando incluída nos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento) e defender seus direitos humanos (o que se esperaria de um exercício pelas outras pessoas com incapacidades, situação de deficiências, quadros neuro-psiquiátricos, seqüelas e danos cerebrais, etc.), o que reforça minha hipótese de que pessoas com autismo(s) sofrem de processos de marginalização. O sujeitos diagnosticadas como 'autistas', na realidade, pertencem a um grande grupo de pessoas mantidas em processo de segregação, estigma e preconceito devido à sua diferença e desigualdades (mais ainda acirradas quando pertencem a classes sociais economicamente desfavorecidas), pois apresentam exigências (conhecimentos, recursos materiais e humanos específicos, profissionais capacitados, afirmação de direitos, políticas públicas, etc.) para o seu reconhecimento como sujeitos e de sua alteridade negada.Há uma necessária aproximação tanto dos 'cisnes' como dos 'patinhos feitos feios', na busca de uma afirmação comum de 'rebeldia' e indignação às violações de seus direitos humanos, buscando formas cotidianas (de preferência comunitárias) de resistir aos processos de desfiliação, segregação e discriminação a que todos os seres humanos, em sua diversidade, continuam sendo submetidos por um modelo de ser que busca a perfeição, a serialização pela homogeneidade e o não-reconhecimento de que somos singulares, defeituosos (por exemplo, todos nascemos com alguns erros inatos de metabolismo ou algumas falhas de fenótipo, sem, contudo, nos tornarmos visivelmente anômalos, deficientes, inválidos, excepcionais, débeis, cretinos, idiotas, enfim, anormais, conforme uma óptica eugenista e higienista do ser humano), com necessidades especiais e vulnerabilidades, e que alguns de nós, seres humanos, têm de ser protegidos e cuidados com maior intensidade e dedicação, tanto individual como coletivamente, conforme afirma a recente Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU-2006). TAI: Como tem visto a atuação dos representantes das pessoas com autismo no âmbito dos movimentos inclusivos? Jorge Márcio - A atuação dos representantes de pessoas com autismo têm, a meu ver, um papel imprescindível na construção de um caminho diferente nos nossos 'lagos, rios, mares e oceanos das diferenças', ou seja, podem contribuir para a desmitificação dos autismos e das suas exclusões, assim como também serem eles próprios 'inclusivos' e ativistas de uma ampliação da concepção de defesa de direitos humanos, afirmando a participação ativa dos familiares, cuidadores, profissionais, educadores e das próprias pessoas com autismo dentro de nossa utopia ativa de um sociedade sem exclusões, uma sociedade que reconheça e respeite todas as diferenças. TAI: Existem hoje, programas de públicos ou privados direcionados a esse público? Em caso positivo, qual é o foco destes? Jorge Márcio - Conheço poucos programas públicos voltados para o atendimento e cuidados com pessoas com autismo, tendo sido uma iniciativa recente do Governo Federal começar a abordar as questões dos autismos no campo da atenção em Saúde Pública, como a Portaria Nº 1.635, de 12 de Setembro de 2002, considerando a necessidade de identificar e acompanhar os 'pacientes' com deficiência intelectual e autismo. Há, porém, ainda uma dificuldade de ver as especificações do cuidado de crianças, jovens e adultos com autismo(s), com uma visão apenas biomédica desta condição, ou seja, tratando-os como 'doentes mentais', sendo cuidados apenas nos espaços públicos como os Caps'i (Centros de Atenção Psicossocial da Infância e da Adolescência), onde podem receber, através do programa da Reforma Psiquiátrica (Portaria 336 - MS - 2002), desde seu diagnóstico, tratamento até o trabalho indispensável com suas famílias, mas ainda dentro de uma visão medicalizada e segregada de seu cuidado, que exige uma abordagem ampliada, multiprofissional e transdisciplinar, cultivada ativamente em um paradigma psicossocial, com ampliação para uma visão humanista e bioética do cuidado em saúde, campo em que atuo, com indispensável implicação com a defesa dos seus direitos humanos. Cabe lembrar que alguns espaços de investigação e pesquisa em universidades públicas, como a USP, continuam sendo referência para o aprimoramento e a formação de novos profissionais, em especial no campo psi, como a Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida, ligado ao Instituto de Psicologia desta universidade pública.No âmbito privado há várias iniciativas que se produzem a partir dos movimentos associativos de pais ou de profissionais da área de cuidados com os autismos, que merecem o respeito e o apoio necessário para sua consolidação como Ongs, Oscips ou movimentos instituintes de defesa de direitos. Encontramos ainda propostas de clínicas, centros de reabilitação, escolas especializadas, com a criação de espaços de pesquisa e investigação dentro de universidades privadas, porém ainda incipientes e, a meu ver, necessitando da mesma mudança de paradigmas sobre e com os autismos e seus cuidados/terapias. TAI: Inclusão na escola e na vida independente - o que está acontecendo, emgeral, para que essas propostas se efetivem de verdade? Jorge Márcio - Considero que a inclusão de crianças e jovens com o diagnóstico de autismo em escolas regulares é uma proposta a ser avaliada de forma singularizada e com muito cuidado, pois que já é uma realidade em ação a inclusão escolar. Porém há necessidade de uma ampliada e intensiva discussão dos modos e práticas dessa proposta, em especial, na rede pública de ensino. Desejo que possamos continuar um processo de ativa busca de melhoria das condições de ensino-aprendizagem nas escolas, em especial na rede pública, realizando um aprimoramento das condições de trabalho e capacitação dos educadores, implicando a escola e seus gestores no processo de aprimoramento educacional contínuo acerca das diferenças, da subjetividade e das diversidades (em especial as étnicas, culturais e sócio-econômicas), o que vem se tornando uma preocupação e ação do Ministério da Educação, como a iniciativa de fazer uma Pesquisa Nacional sobre Diversidade na Educação (que difundi e divulguei pelo InfoATIVO DEFNET nº 2952), que poderá trazer novos indicadores e analisadores do nosso panorama da educação de crianças com deficiência, autismos e outras condições.Quanto à vida independente, nos encontramos com uma concepção a ser amplamente aplicada a todas as pessoas com autismo e com deficiências, efetivando e alicerçando os movimentos já existentes (como os CVIs), estimulando as escolas e professores a se tornarem multiplicadores dos seus princípios, em especial, da busca de uma autonomia possível e realizável para crianças e jovens com autismo, respeitando suas singularidades e suas limitações, buscando, por exemplo, os novos recursos tecnológicos de ponta, como os da informátiva e de tecnologias assistivas [ ou assistidas?], concretizar a inclusão digital dentro dos centros de reabilitação, CapsI, escolas especializadas ou não, centros de convivência comunitárias, associações de pais ou de defesa dos direitos, ou seja, todos os espaços, públicos ou privados, onde os sujeitos com autismo devem, podem e têm de estar e participar como cidadãos e cidadãs plenos e iguais, como afirmam as Declarações e Convenções de Direitos Humanos (por exemplo: Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração de Montreal sobre os Direitos Humanos de Pessoas com Deficiência Intelectual, Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU). TAI: Que mensagem você gostaria de dirigir a pais, professores e terapeutas ligados diretamente às pessoas com autismo? Jorge Márcio - Aos pais de crianças e jovens com autismo envio o meu desejo sincero de que se tornem, a cada dia, mais emponderados, ativistas e militantes de direitos humanos, com uma visão cada vez maior das possibilidades de seus filhos, lutando cotidianamente, tanto individual como coletivamente, para que estes tenham seus direitos e sua não-exclusão afirmados. Como pai de duas crianças com paralisia cerebral, venho tentando realizar o que lhes sugeri, e creio ter ampliado, nestes muitos anos de militância, os meus próprios horizontes sobre minha pessoa, o ser humano e suas/minhas limitações. Enfim, desejo que, humildemente, possamos continuar sendo ternos e eternos aprendizes.Aos nossos professores e terapeutas ligados ao processo de educar e cuidar dos autistas envio minha expectativa de que possam afirmar uma mudança de paradigmas, uma inevitável transformação de nossas visões e concepções teórico-práticas. Precisamos, dentro de uma visão construcionista e pós-estruturalista, resignificar o lugar de sujeito para as pessoas com autismos, saindo da visão objetal e medicalizada de sua condição e existência, acreditando e exercitando o princípio de que eles, assim como nós, têm muito mais possibilidades do que limitações, para além de toda a complexidade de suas vivências, transtornos ou sofrimentos. E, diante de suas multiplicidades, lembrando a frase de Bethelheim, de que não basta apenas o amor, na minha experiência, é indispensável o ardor, a paixão e busca incessante de novos conhecimentos, criatividades e possibilidades para quem vive no chamado mundo dos patinhos-cisnes-diferentes-porém-ricos-de-surpresas'. Quem sabe assim poderemos nos responder sobre algumas de nossas incapacidades... Que tal nos apaixonarmos por seus silêncios ou o que chamamos de suas ecolalias? Com um DOCE ABRAÇO, DR.JORGE MÁRCIO PEREIRA DE ANDRADE DEFNET CAMPINAS SP Contatos: jorgemar@mpc.com.br site: http://www.defnet.org.br (desatualizado por motivo do excesso de trabalho) Tel: 19 32844317 (consultório) *nosologia = substantivo feminino. Rubrica: medicina. ramo da medicina que estuda e classifica as doenças. PERFIL:JORGE MÁRCIO DEFNET CAMPINAS SP Médico, Psiquiatra, Psicanalista e Analista Institucional Preceptor do Programa de Residência Médica do Serviço de Saúde Dr. CÂNDIDO FERREIRA Organizador do Ciclo de Cinema e Bioética do SSCF Psiquiatra do CAPS - Centro de Atenção Psicossocial Estação do SSCF - Campinas - SP Fundador do Centro de Informática e Informações sobre PARALISIAS CEREBRAIS - DEFNET Coordenador do VI Seminário Educação, Políticas Públicas e Pessoas com Deficiência no XVI COLE - Congresso de Leitura do Brasil - Unicamp/ALB
Fonte: http://www.universoautista.com.br/autismo/modules/works/item.php?id=16
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domingo, 1 de abril de 2012
* Entrevista com Dr. Jorge Márcio
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