O bom humor e a descontração facilitam o processo de inclusão nas salas de aulas
A inclusão entre os alunos da professora Jurema Dantas de Oliveira Hirsh, ganhadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10, na EMEF Armando Cavazza
Naquela noite de festa, a jovem Bia pega o CD que seu pai acabara de ganhar. Ao analisar a capa estampada, repara na foto do músico Louis Armstrong. Seus olhos espicham e ela logo pergunta: "Esse cara é aquele que faz hambúrguer na TV?" Os segundos passam e finalmente quem está ao redor entende a associação com o ex-boxeador e vendedor do famoso grill, George Foreman. E todos caíram na gargalhada, inclusive Bia, uma jovem com deficiência intelectual, que achou muito divertido participar, mesmo sem entender direito, da piada. Mas antes fosse apenas a confusão entre nome de pessoas sua maior dificuldade. Entre essa e tantas outras, está a compreensão de mundo, o não-entendimento de alguns sentimentos, a dificuldade no raciocínio. Só que, no seu caso em particular, apesar de todas as barreiras, não faltam humor e alegria em sua vida e na de seus parentes e amigos. E essa importante ferramenta tem sido fundamental na educação e no amadurecimento de todos os envolvidos, especialmente quando ela desmonta os brinquedos, despista que escovou os dentes ou desmascara a mentira.
Como lidar com uma criança com necessidades especiais e como educá-la são provavelmente os questionamentos que deixam muitos pais sem dormir. Mais do que uma percepção, já é de conhecimento popular (ou deveria ser) que as famílias, ao lado das instituições de ensino, são a grande base formadora das pessoas. E, em tempos tão complicados de ser feliz, o bom humor tem se mostrado uma importante forma de lidar com as frustrações da vida. Bem utilizado, pode ser uma tremenda ferramenta a favor da educação e inclusão dos deficientes. Pesquisas de pedagogos, educadores, antropólogos e psicólogos também aprovam o uso desse instrumento nas salas de aula. Portanto, por que não pensar com mais alegria na educação dessas crianças?
Há muito tempo, o filósofo Nietzsche já defendia o uso do humor, inclusive, para falar coisas sérias: ridendo dicere severum ("rindo, dizer as coisas sérias", do latim), indicando que o riso é uma potente forma de catarse, uma importante descarga emocional necessária a todos nós. A psicopedagoga e educadora Maria Vitoria Maia defende que "o humor faz toda a diferença no processo de inclusão real e não fictícia das crianças com necessidades especiais. Lidar com a diferença é difícil. Lidar com limites da potencialidade de uma criança e, consequentemente, no desempenho dela em um grupo é um trabalho delicado, e nesse trabalho o humor pode ajudar muito."
- Nossos nós
Provavelmente, a maior dificuldade na história toda ainda seja o velho preconceito, e quem complica tudo em alguns casos são os próprios responsáveis, que não enxergam ali uma criança, mas um problema ou fracasso. A falta de paciência ainda é muito presente em casa e fora dela. Para combatê-la, o primeiro passo deve ser a compreensão de que essas crianças são, de fato, crianças. As pessoas ainda parecem ter medo do "desconhecido". Ou seja, é preciso uma mudança de atitude, como defende a psicóloga Adriana Marcondes Machado em seu livro Crianças de Classe Especial. A proposta é libertá-los da categoria "anormal", propondo mudanças de comportamento. Durante o tempo em que lecionou e realizou estudos sobre o tema, Adriana compreendeu que as crianças não eram o problema, mas a forma na qual as aulas eram lecionadas. "Era necessário quebrar as relações cristalizadas, buscar diversidades, dar chance a novos desejos, enfim mudar (eu inclusive). E por que não em um lugar alegre?"
O número de jovens com necessidades especiais no Brasil é impreciso, de acordo com Helena Werneck, coordenadora do projeto Ser Diferente É Normal, do Instituto Metasocial: "Pelo censo do IBGE de 2000, 14,5% da sociedade têm algum tipo de deficiência, sendo que por volta de 30% têm deficiência intelectual".
Autor do livro License to Laugh, Humour in the Classroom ("Licença para rir, humor na sala de aula", sem edição brasileira), o educador Richard Shade analisa que o humor, além de reduzir o estresse, estimula a imaginação e socialização. "Como advogado do uso do humor apropriadamente na sala de aula, vejo dois efeitos positivos: o humor influencia positivamente o ambiente da sala de aula e envolve instantaneamente o aluno no processo de aprendizagem."
O número de jovens com necessidades especiais no Brasil é impreciso, de acordo com Helena Werneck, coordenadora do projeto Ser Diferente É Normal, do Instituto Metasocial: "Pelo censo do IBGE de 2000, 14,5% da sociedade têm algum tipo de deficiência, sendo que por volta de 30% têm deficiência intelectual".
Autor do livro License to Laugh, Humour in the Classroom ("Licença para rir, humor na sala de aula", sem edição brasileira), o educador Richard Shade analisa que o humor, além de reduzir o estresse, estimula a imaginação e socialização. "Como advogado do uso do humor apropriadamente na sala de aula, vejo dois efeitos positivos: o humor influencia positivamente o ambiente da sala de aula e envolve instantaneamente o aluno no processo de aprendizagem."
- O peso da alma
Então basta fazer algumas piadas e tudo ficará bem? Não é assim. O humor aqui comentado é muito mais do que qualquer anedota. Nas palavras do filósofo Henri Bergson, o riso alivia a alma e nos poupa da fadiga de viver. Curioso pensar como em tempos nos quais todos nós, quase sem exceções, clamamos por felicidade, desaprendemos a gostar de coisas simples da vida e aliviar a nossa alma. Nesse caso, as crianças e os jovens com necessidades especiais dão um baile. Felicidade para eles é um passeio no parque, uma brincadeira na sala de aula, uma bagunça na hora de lavar louça. Pequenas alegrias que muitos de nós esquecemos de desfrutar.
A educação familiar que consiga encontrar o equilíbrio por meio do humor deve ser o espelho das instituições de ensino. Dificuldades, todos temos, e, assim como eles, ficamos agoniados quando não entendemos a matéria que a professora está explicando na aula. O psicólogo José Sterza Justo, em ensaio no livro Humor e Alegria na Educação, afirma que o "humor é um poderoso instrumento de produção de linguagem e sociabilidade." E com base nesse saber que o humor deve ser utilizado como uma ferramenta no ensino às crianças. "Falta riso entre os muros da escola e sobram cobrança e conteúdo. Ou seja, cabe a cada família, a cada professor, a cada escola, perceber quais atividades lúdicas podem ser propiciadoras de abertura de um espaço de curiosidade e alegria", diz Maria Vitoria Maia.
Helena Werneck, do Metasocial, acha que o aprendizado, principalmente utilizando a forma lúdica, proporciona uma aquisição de conhecimento tranquila e proveitosa. "Já existem métodos que utilizam a construção do conhecimento por meio de experimentos práticos, sensorial e dinâmicos, como uma forma de aprendizado. Minha experiência com esse processo é de ótimos resultados, pois estimula o estudante a pensar e desenvolver sua forma de buscar as respostas", explica.
A educação familiar que consiga encontrar o equilíbrio por meio do humor deve ser o espelho das instituições de ensino. Dificuldades, todos temos, e, assim como eles, ficamos agoniados quando não entendemos a matéria que a professora está explicando na aula. O psicólogo José Sterza Justo, em ensaio no livro Humor e Alegria na Educação, afirma que o "humor é um poderoso instrumento de produção de linguagem e sociabilidade." E com base nesse saber que o humor deve ser utilizado como uma ferramenta no ensino às crianças. "Falta riso entre os muros da escola e sobram cobrança e conteúdo. Ou seja, cabe a cada família, a cada professor, a cada escola, perceber quais atividades lúdicas podem ser propiciadoras de abertura de um espaço de curiosidade e alegria", diz Maria Vitoria Maia.
Helena Werneck, do Metasocial, acha que o aprendizado, principalmente utilizando a forma lúdica, proporciona uma aquisição de conhecimento tranquila e proveitosa. "Já existem métodos que utilizam a construção do conhecimento por meio de experimentos práticos, sensorial e dinâmicos, como uma forma de aprendizado. Minha experiência com esse processo é de ótimos resultados, pois estimula o estudante a pensar e desenvolver sua forma de buscar as respostas", explica.
- Ousar sorrir
E de que forma incentivar o humor? A resposta é simples: sorrindo. Contar histórias é uma ótima maneira de entrar em contato com o mundo da criança e ela com o mundo adulto. Transformar atividades em grandes desafios ou em dilemas a serem solucionados pelo grupo é divertido e faz a gente rir muito quando aprendemos e, se erramos, podemos tentar mais uma vez. Organizadora do livro Humor e Alegria na Educação, Valéria Amorim Arantes explica que "a alegria nos remete a ações de criatividade, flexibilidade, originalidade, imaginação."
Maria Vitoria Maia se recorda ainda de uma cena que resume, enfim, todo o espírito do humor e da alegria na educação de crianças e jovens deficientes. "Um jovem com necessidades especiais era chamado para cantar com um grupo de adolescentes que tocava violão. Todos cantavam e, em um determinado momento, o jovem deficiente foi convidado a escolher a música. Os jovens cantaram juntos, deixando que a voz dele sobressaísse. E, no meio disso, o que tocava violão disse: você adora essa música, né? Então vamos tocar de novo... Todos riram e, apesar de ser a milésima vez que a música era tocada, o jovem especial igualmente riu muito, bateu palmas, aumentou o volume da voz e cantou com a turma. Ali ele estava incluído, ele ria e fazia piada."
Agora a menina Bia, aquela do começo de nossa história, que também adora cantar, já sabe que Louis Armstrong não faz hambúrguer. E ela, assim como a cor Flicts, do livro de Ziraldo, continua procurando seu lugar no mundo. Sorrindo, cada vez mais seu universo particular faz sentido para todos nós.
Maria Vitoria Maia se recorda ainda de uma cena que resume, enfim, todo o espírito do humor e da alegria na educação de crianças e jovens deficientes. "Um jovem com necessidades especiais era chamado para cantar com um grupo de adolescentes que tocava violão. Todos cantavam e, em um determinado momento, o jovem deficiente foi convidado a escolher a música. Os jovens cantaram juntos, deixando que a voz dele sobressaísse. E, no meio disso, o que tocava violão disse: você adora essa música, né? Então vamos tocar de novo... Todos riram e, apesar de ser a milésima vez que a música era tocada, o jovem especial igualmente riu muito, bateu palmas, aumentou o volume da voz e cantou com a turma. Ali ele estava incluído, ele ria e fazia piada."
Agora a menina Bia, aquela do começo de nossa história, que também adora cantar, já sabe que Louis Armstrong não faz hambúrguer. E ela, assim como a cor Flicts, do livro de Ziraldo, continua procurando seu lugar no mundo. Sorrindo, cada vez mais seu universo particular faz sentido para todos nós.
- Livros
Crianças de Classe Especial, Adriana Marcondes Machado, ed. Casa do Psicólogo
Humor e Alegria na Educação, Valéria Amorim Arantes (org.), ed. Summus Editorial
Uma História Cultural do Humor, Jam Bremmer e Herman Roodenburg, ed. Record
Humor e Alegria na Educação, Valéria Amorim Arantes (org.), ed. Summus Editorial
Uma História Cultural do Humor, Jam Bremmer e Herman Roodenburg, ed. Record
Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/humor-eficiente-524405.shtml
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