terça-feira, 17 de abril de 2012

* Humor eficiente


O bom humor e a descontração facilitam o processo de inclusão nas salas de aulas



A inclusão entre os alunos da professora Jurema Dantas de Oliveira Hirsh, ganhadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10, na EMEF Armando Cavazza

Naquela noite de festa, a jovem Bia pega o CD que seu pai acabara de ganhar. Ao analisar a capa estampada, repara na foto do músico Louis Armstrong. Seus olhos espicham e ela logo pergunta: "Esse cara é aquele que faz hambúrguer na TV?" Os segundos passam e finalmente quem está ao redor entende a associação com o ex-boxeador e vendedor do famoso grill, George Foreman. E todos caíram na gargalhada, inclusive Bia, uma jovem com deficiência intelectual, que achou muito divertido participar, mesmo sem entender direito, da piada. Mas antes fosse apenas a confusão entre nome de pessoas sua maior dificuldade. Entre essa e tantas outras, está a compreensão de mundo, o não-entendimento de alguns sentimentos, a dificuldade no raciocínio. Só que, no seu caso em particular, apesar de todas as barreiras, não faltam humor e alegria em sua vida e na de seus parentes e amigos. E essa importante ferramenta tem sido fundamental na educação e no amadurecimento de todos os envolvidos, especialmente quando ela desmonta os brinquedos, despista que escovou os dentes ou desmascara a mentira. 

Como lidar com uma criança com necessidades especiais e como educá-la são provavelmente os questionamentos que deixam muitos pais sem dormir. Mais do que uma percepção, já é de conhecimento popular (ou deveria ser) que as famílias, ao lado das instituições de ensino, são a grande base formadora das pessoas. E, em tempos tão complicados de ser feliz, o bom humor tem se mostrado uma importante forma de lidar com as frustrações da vida. Bem utilizado, pode ser uma tremenda ferramenta a favor da educação e inclusão dos deficientes. Pesquisas de pedagogos, educadores, antropólogos e psicólogos também aprovam o uso desse instrumento nas salas de aula. Portanto, por que não pensar com mais alegria na educação dessas crianças? 

Há muito tempo, o filósofo Nietzsche já defendia o uso do humor, inclusive, para falar coisas sérias: ridendo dicere severum ("rindo, dizer as coisas sérias", do latim), indicando que o riso é uma potente forma de catarse, uma importante descarga emocional necessária a todos nós. A psicopedagoga e educadora Maria Vitoria Maia defende que "o humor faz toda a diferença no processo de inclusão real e não fictícia das crianças com necessidades especiais. Lidar com a diferença é difícil. Lidar com limites da potencialidade de uma criança e, consequentemente, no desempenho dela em um grupo é um trabalho delicado, e nesse trabalho o humor pode ajudar muito."

- Nossos nós
Provavelmente, a maior dificuldade na história toda ainda seja o velho preconceito, e quem complica tudo em alguns casos são os próprios responsáveis, que não enxergam ali uma criança, mas um problema ou fracasso. A falta de paciência ainda é muito presente em casa e fora dela. Para combatê-la, o primeiro passo deve ser a compreensão de que essas crianças são, de fato, crianças. As pessoas ainda parecem ter medo do "desconhecido". Ou seja, é preciso uma mudança de atitude, como defende a psicóloga Adriana Marcondes Machado em seu livro Crianças de Classe Especial. A proposta é libertá-los da categoria "anormal", propondo mudanças de comportamento. Durante o tempo em que lecionou e realizou estudos sobre o tema, Adriana compreendeu que as crianças não eram o problema, mas a forma na qual as aulas eram lecionadas. "Era necessário quebrar as relações cristalizadas, buscar diversidades, dar chance a novos desejos, enfim mudar (eu inclusive). E por que não em um lugar alegre?"

O número de jovens com necessidades especiais no Brasil é impreciso, de acordo com Helena Werneck, coordenadora do projeto Ser Diferente É Normal, do Instituto Metasocial: "Pelo censo do IBGE de 2000, 14,5% da sociedade têm algum tipo de deficiência, sendo que por volta de 30% têm deficiência intelectual".

Autor do livro License to Laugh, Humour in the Classroom ("Licença para rir, humor na sala de aula", sem edição brasileira), o educador Richard Shade analisa que o humor, além de reduzir o estresse, estimula a imaginação e socialização. "Como advogado do uso do humor apropriadamente na sala de aula, vejo dois efeitos positivos: o humor influencia positivamente o ambiente da sala de aula e envolve instantaneamente o aluno no processo de aprendizagem."

- O peso da alma
Então basta fazer algumas piadas e tudo ficará bem? Não é assim. O humor aqui comentado é muito mais do que qualquer anedota. Nas palavras do filósofo Henri Bergson, o riso alivia a alma e nos poupa da fadiga de viver. Curioso pensar como em tempos nos quais todos nós, quase sem exceções, clamamos por felicidade, desaprendemos a gostar de coisas simples da vida e aliviar a nossa alma. Nesse caso, as crianças e os jovens com necessidades especiais dão um baile. Felicidade para eles é um passeio no parque, uma brincadeira na sala de aula, uma bagunça na hora de lavar louça. Pequenas alegrias que muitos de nós esquecemos de desfrutar.

A educação familiar que consiga encontrar o equilíbrio por meio do humor deve ser o espelho das instituições de ensino. Dificuldades, todos temos, e, assim como eles, ficamos agoniados quando não entendemos a matéria que a professora está explicando na aula. O psicólogo José Sterza Justo, em ensaio no livro Humor e Alegria na Educação, afirma que o "humor é um poderoso instrumento de produção de linguagem e sociabilidade." E com base nesse saber que o humor deve ser utilizado como uma ferramenta no ensino às crianças. "Falta riso entre os muros da escola e sobram cobrança e conteúdo. Ou seja, cabe a cada família, a cada professor, a cada escola, perceber quais atividades lúdicas podem ser propiciadoras de abertura de um espaço de curiosidade e alegria", diz Maria Vitoria Maia.

Helena Werneck, do Metasocial, acha que o aprendizado, principalmente utilizando a forma lúdica, proporciona uma aquisição de conhecimento tranquila e proveitosa. "Já existem ‘métodos’ que utilizam a construção do conhecimento por meio de experimentos práticos, sensorial e dinâmicos, como uma forma de aprendizado. Minha experiência com esse processo é de ótimos resultados, pois estimula o estudante a pensar e desenvolver sua forma de buscar as respostas", explica.

- Ousar sorrir
E de que forma incentivar o humor? A resposta é simples: sorrindo. Contar histórias é uma ótima maneira de entrar em contato com o mundo da criança e ela com o mundo adulto. Transformar atividades em grandes desafios ou em dilemas a serem solucionados pelo grupo é divertido e faz a gente rir muito quando aprendemos e, se erramos, podemos tentar mais uma vez. Organizadora do livro Humor e Alegria na Educação, Valéria Amorim Arantes explica que "a alegria nos remete a ações de criatividade, flexibilidade, originalidade, imaginação."

Maria Vitoria Maia se recorda ainda de uma cena que resume, enfim, todo o espírito do humor e da alegria na educação de crianças e jovens deficientes. "Um jovem com necessidades especiais era chamado para cantar com um grupo de adolescentes que tocava violão. Todos cantavam e, em um determinado momento, o jovem deficiente foi convidado a escolher a música. Os jovens cantaram juntos, deixando que a voz dele sobressaísse. E, no meio disso, o que tocava violão disse: você adora essa música, né? Então vamos tocar de novo... Todos riram e, apesar de ser a milésima vez que a música era tocada, o jovem especial igualmente riu muito, bateu palmas, aumentou o volume da voz e cantou com a turma. Ali ele estava incluído, ele ria e fazia piada."

Agora a menina Bia, aquela do começo de nossa história, que também adora cantar, já sabe que Louis Armstrong não faz hambúrguer. E ela, assim como a cor Flicts, do livro de Ziraldo, continua procurando seu lugar no mundo. Sorrindo, cada vez mais seu universo particular faz sentido para todos nós.

- Livros
Crianças de Classe Especial, Adriana Marcondes Machado, ed. Casa do Psicólogo

Humor e Alegria na Educação, Valéria Amorim Arantes (org.), ed. Summus Editorial

Uma História Cultural do Humor, Jam Bremmer e Herman Roodenburg, ed. Record

Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/humor-eficiente-524405.shtml

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